Porquê?

Corremos porque não temos asas para voar...

A competição dentro da competição...

A paisagem vista daqui era muito bonita e inspiradora. Iniciei a corrida com
as pernas pesadas como o chumbo saltando pelas rochas e mato rasteiro.
O calor começava a incomodar quando cheguei ao posto de abastecimento algures no meio da serra. Um grupo de cerca de
7 ou 8 atletas saiu apressadamente enquanto eu me inteirava das opções. Consumi dois quartos de laranja, meia banana e enchi o bidon de água, tudo em menos de um minuto. Saí a caminhar atrás do pequeno grupo que nos antecipara. Enquanto apenas andava, permitia à banana que assentasse melhor no estômago e não me distanciaria muito do Miguel que chegou ao abastecimento um pouco mais atrasado por motivos de carácter fisiológico.

O grupo à frente não parecia estar com muita energia e quando o Miguel se juntou a mim eu estava já em cima deles. A conversa animada do grupo acabou assim que nos viram passar em passo de corrida. O terreno inclinou ligeiramente e bastante longe, ao fundo desta constante subida era possível ver recortados contra o céu azul os que seguiam à nossa frente, constituindo uma fila em anfiteatro que denunciava bem a inclinação dura que estavam a enfrentar. Nós tínhamos ganho um pequeno ascendente sobre o grupo que nos perseguia, com excepção de uma rapariga que se manteve colada a mim. Quando chegámos ao ponto em que a inclinação dita as suas leis, a competição entre nós atingiu o auge, o resto do grupo já chegara, mas à semelhança de nós abandonou a corrida para iniciar a escalada que não era muito longa mas era muito íngreme. Ataquei o terreno com passada forte e decidida, sensivelmente a meio da subida ainda era segundo atrás do Miguel que se distanciara uns dez metros. Numa curva fechada à direita o terreno empinou ainda mais, eu seguia com o coração a bater na garganta e a respiração pesada mais parecia o resfolegar do velho comboio do Tua. Ouvi a passada rápida da rapariga a aproximar-se, percebi bem que estava a fazer um esforço brutal para passar por mim. Eu não dava mais, mas abrandar também estava fora de questão. Via-a chegar-se ao meu ombro e colocar-se lado a lado, a respiração dela ainda estava pior do que a minha e quando pensei que ia ser deixado para trás, foi ela que não aguentou o ritmo que estava a impor e ficou para trás uns bons metros. Passado pouco tempo tempo cheguei ao cimo e olhei de esguelha sobre o meu ombro esquerdo, ela estava prestes a terminar a subida e o restante grupo parecia uma cobra esforçando-se por ultrapassar aquela zona mais inclinada a meio da rampa.

A paisagem vista daqui era muito inspiradora. À minha esquerda podia ver um encadeamento de serranias parcialmente cobertas por nuvens brancas que se destacavam num céu azul muito bonito, mas eu não podia demorar-me muito em apreciações. Lá na frente o Miguel já corria e tinha-me ganho pelo menos cem metros. Com as penas pesadas como chumbo iniciei a perseguição por um declive que nem sequer era um trilho, saltando por cima das rochas e do mato rasteiro. A moça não desistiu, acabou por me passar mais à frente, coisa que eu retribuiria mais tarde. Acabei por não perceber quem ficou atrás de quem, mas também isso não é importante. Importante é que cada um de nós, independentemente da sua posição na corrida esteja preparado para dar o seu melhor. Isso é que nos valoriza dentro da corrida, não a posição final.

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