Porquê?

Corremos porque não temos asas para voar...

Quando um corredor ocasional se torna campeão. (Gerês Marathon 2015)

Gerês Marathon 2015
Chegou o dia D. Depois de ter falhado na Maratona do Porto de forma inacreditável quando me sentia tão confiante, passei a esperar por este dia ansiosamente. Era a oportunidade de me redimir fazendo uma boa prestação na Gerês Marathon. 

Nas duas noites anteriores não consegui descansar de forma apropriada dada a importância que atribui a este momento, a ansiedade falava mais alto. Contrariamente ao que fiz com a Maratona do Porto, desta vez prestei toda a tenção á alimentação e hidratação nos cinco dias que antecederam a prova, também no último fim de semana antes da mesma fomos ao local e fizemos um treino na parte inicial do percurso. As sensações então recolhidas foram muito boas e restabeleceram alguma da minha depauperada confiança. Estavam portanto reunidas as condições mínimas para uma nova tentativa. 

Ambiente antes da partida
Nesta manhã de domingo os dois graus de temperatura mínima tinham arrefecido bastante a pacata Vila do Gerês, o sol iluminava apenas o pico da serra que fica do lado esquerdo do vale, que como é muito estreito (quase uma brecha entre duas serras) demora a ser abrangido pelo regenerador calor da nossa estrela principal. A avenida onde estava montada a partida e que havia de ser a meta também, já tinha bastante movimento, muito mais do que o ano transacto.  


Tomado o cafézinho da praxe, foi a aguardar a contagem decrescente. Os pensamentos que me ocorriam eram sobre a esposa que ficara em casa preocupada e sobre os amigos que me apoiaram na "digestão" do falhanço anterior e fazia juras a mim mesmo de que, desse por onde desse, não me permitiria ficar pelo caminho novamente. 

A nossa selfie

Alguém deu o sinal de partida. Logo após uma curva á esquerda aparece uma das subidas mais exigentes da prova, que nos tira da vila e coloca na rota da serra. Lembro-me de no ano passado ter sentido dificuldades neste troço, nessa altura um cordão desapertado foi a salvação para parar um pouco e respirar. hoje seguia calmamente no meio do pelotão e não estava especialmente em dificuldade. Quando o pelotão começou a esticar não me preocupei com a velocidade e tentei ser disciplinado no ritmo, sabia de antemão que com a entrada na serra e o consequente inicio de subida todos ocupariam o seu devido lugar de acordo com a resistência que possuíssem. 

Paisagem do Gerês
Por comparação com o treino que tinha corrido tão bem ali mesmo oito dias antes, começava a parecer-me que não estava tudo na mesma, havia uma sensação de cansaço nas pernas que me começou a preocupar. A pressão psicológica adensava-se e após 4 km de subida já seguia com a faca nos dentes. 
A salvação chegou por mero acaso quando, por um breve instante, tirei o olhar do alcatrão e observei a paisagem à minha direita. Do meu ponto de vista podia observar uma grande extensão do vale que terminava naquele extraordinário tom de azul do lençol de água. A vertente contrária á que eu circulava, já estava bem iluminada pelo sol da manha e a vegetação vibrante preenchia a vertente abaixo da estrada descendo até à vila que agora era um pontinho lá no fundo. A beleza da paisagem refez-me a linha de pensamento. A prioridade passou a ser usufruir do privilégio de estar a correr num ambiente tão inspirador. Esta mudança de paradigma no factor psicológico libertou-me da pressão que estava a colocar a mim mesmo e lentamente passei a um estado mais descontraído e mais confiante. Curioso como o aspecto mental pode ser tão traiçoeiro. 

Miguel na primeira subida
Jaime (eu) na primeira subida
Á minha frente seguia o Miguel aguardando por mim a espaços. Chegado ao alto, na Pedra Bela, demorei-me um pouco no abastecimento, duas tostas com mel e um quarto de laranja e abasteci a garrafa de isotónico que levava na mão e consumi líquidos qb. O Miguel impaciente gritava "estás a almoçar?", mas eu não estava disposto a facilitar, haveria de fazer o mesmo em todos os postos disponíveis. 

Agora havia que fazer uma descida controlada, longe do ritmo louco do ano passado, ainda havia muita subida e muitos quilómetros para percorrer. 

Inicio da descida da Pedra Bela

Aspecto da segunda subida para Leonte
Chegados ao fundo da serra, uma viragem á direita iniciou-nos na segunda subida, mais cerca de sete quilómetros de curvas e contracurvas até chegar ao alto de Leonte. Logo no inicio ouvi gritar pelo meu nome, olhei espantado pelo facto, era o Moura de Sousa, um antigo colega de profissão que volta não volta se cruza comigo por aí nas provas. Pelo meio novo abastecimento, novamente duas tostas com mel, um pouco de isotónico e continuar o trabalho. Chegámos ao cimo sem grandes problemas e iniciámos a descida que atravessa a magnífica Mata de Albergaria em bom ritmo. É uma parte do percurso muito bonita, com árvores antigas, enormes, cheias de líquenes, ramos mortos, pequenos riachos a correr livremente, alguns junto á estrada, e onde a paleta de cores outonais juntava a sua enorme carga dramática. Um local onde posso dizer que os pés não pesam. 


Mata da Albergaria

Tinha colocado o gps num ecrã onde mostra o desnível positivo acumulado e não os quilómetros percorridos para não me preocupar com isso, mas sabia minimamente o que estava efectuado. Por esta altura comecei a pensar que talvez fosse possível fazer a prova abaixo das 5 horas, já tinha visto o Miguel a consultar o relógio por diversas vezes e quase que podia adivinhar que ele estava a pensar nisso também, mas numa corrida tão longa e tão dura como esta nada está garantido. O final desta descida coincidia com outro abastecimento, onde devorei dois bocados de banana e uma tosta com mel, ingeri alguma água com isotónico, abasteci a garrafa e prosseguimos. 

Agora tínhamos pela frente um troço de terra batida marginal à albufeira e que nos levaria à estrada nacional que por sua vez com um pequeno desvio nos introduziria na aldeia de Campo do Gerês. Eram cerca de sete ou oito quilómetros num piso mais pesado mas mais amigo das articulações, contudo foi aqui que comecei a sentir uns pequenos espasmos no gémeo da perna direita, como se fossem pequenos choques eléctricos. Este sintoma, por mais que me esforçasse, mesmo com a ajuda do Miguel a fazer alongamento e massagens, não mais me abandonou até ao fim. Correndo a subir apareciam rapidamente, se fosse a direito aguentava um pouco mais tempo e a descer nem sabia que estava mal da perna, pelo que fui alternando corrida e caminhada de acordo com a orografia e gerindo aquele problema, que não era enorme, mas que eu queria que não passasse daquilo. 

Museu da Geira Romana em Campo do Gerês
Museu da Geira Romana em Campo do Gerês, mais ou menos 30 quilómetros de prova. Prioridade total para esticar o músculo afectado longa e suavemente, só depois um chá quentinho adoçado com mel e meia dúzia de batas fritas para aproveitar o sal. Nesta altura também já sentia algum desconforto gástrico. 
Saídos do Museu sabíamos bem o que nos esperava, mais uma última mas longa subida. Iniciei a corrida mas de cinquenta em cinquenta metros tinha de intervalar com caminhada. Nessas alturas em que caminhava, o Miguel impunha uma passada que ele próprio chamava de "passo militar", uma coisa muito mais próxima da corrida do que da caminhada mas que dava para voltar a correr com regularidade respeitando esses momentos em que o músculo sinalizava as dificuldades. Sempre que o piso endireitava um pouco tudo melhorava bastante, por isso foi com grande alivio que chegamos ao ponto mais alto. 

Agora, entre nós e a meta distavam cerca de seis ou sete quilómetros de tendência descendente. A paisagem era deslumbrante e podíamos ver o local da meta lá ao longe. O músculo, como eu já experienciara antes, a descer não apresentava queixas, pelo que seguimos em bom ritmo e nos dois últimos quilómetros foi o tudo ou nada. 

Passámos a linha de meta 18 minutos para lá das cinco horas. Foi pena mas já sei o que fazer para baixar das cinco horas no ano que vem. Também arranjei uma motivação extra, ficar no top-ten do meu escalão, este ano fiquei em 14º. 

Depois dos momentos de tristeza que senti dias antes no Porto, até me emocionei ao dizer à esposa que já tinha terminado. Finalmente tinha autorização para limpar da minha mente esse momento de fraqueza que me andava a incomodar. O espaço mental, era agora necessário para acumular aquela imensa alegria que estava a sentir. 

Fica assim provada uma coisa: - Não é preciso ser um atleta de elite para viver intensamente uma corrida, basta cada um respeitar-se a si próprio e procurar honestamente a superação, no final isso trará o sentimento de campeão. 


T-shirt técnica e medalha ecológica de finisher

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