Porquê?

Corremos porque não temos asas para voar...

A vida é um acto efémero...

O mais importante não é a partida nem a chegada.
O que verdadeiramente interessa é o caminho...
Alguém um dia disse que nós não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual. Somos sim, seres eminentemente espirituais a viver uma experiência humana. Em tese, ambas as declarações me parecem adequadas, no entanto, as vivências dos últimos tempos tendem a aproximar-me mais da segunda.

Se recuar dois ou três anos no tempo, lembro-me da minha mãe me expressar de forma aflitiva que, se ela partisse primeiro, o meu pai iria sofrer muito. A preocupação dela era tal que ficava sempre lavada em lágrimas quando abordava o assunto, e foram algumas vezes. Quis o destino, que essa fosse a ordem de partida.

Esta noite, incapaz de adormecer, muitas vezes me recordei dessas conversas de então. Durante cerca de ano e meio de sofrimento, observei o meu pai a vê-la partir todos os dias um bocadinho, regressando a casa apenas com o consolo de que no dia seguinte poderia estar novamente com ela , ainda que fosse apenas para constatar esse afastamento, que embora lento, era progressivo e irreversível.

No dia anterior ao momento fatídico, curiosamente o do meu aniversário, aproveitei o telefonema do meu pai para lhe perguntar pela minha mãe. Ele estava radiante, havia muito tempo em que práticamente a minha mãe não respondia a estímulos exteriores, nesse dia tinha esboçado um sorriso e brincado um pouco com a mão dele, apertando e largando alternadamente. Ele estava feliz com essa alteração. No dia seguinte, após a visita diária, viria a falecer.

Bem sei que quem nos deixa por morte não provocada deliberadamente não escolhe a forma como vai morrer, mas a grande responsabilidade da minha insónia era precisamente a procura de respostas, de um um desígnio, de um propósito para todo o sofrimento a que foi sujeita antes desse minuto final.

Nessa noite, em que um turbilhão de pensamentos me manteve acordado, sobressaiu um que não me sai da cabeça. Afinal, se calhar a minha mãe tinha encontrado uma solução para deixar o meu pai. De facto ninguém pode escolher a forma como morre, mas talvez pela preocupação tão forte que ela sentia em o deixar para trás, lhe tenha sido dada a possibilidade de, á custa do seu enorme sofrimento, ir preparando o meu pai para essa despedida final.

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A minha mãe morreu, mas quase nos deixou "felizes" com isso, por sabermos terminado o seu sofrimento. Durante este tempo foi-nos preparando e deixando mais fortes,  fomo-nos despedindo ao longo do tempo.

Talvez este ano e meio de sofrimento e aquele último sorriso não sejam apenas coincidências. Talvez tenham sido a derradeira prova de amor.

Dizem que os milagres eram apenas antigamente, dizem que os milagres já não existem... Eu prefiro acreditar que estes são os milagres do nosso dia a dia, aqueles que verdadeiramente interessam, aqueles que valem a pena ser descodificados.

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