Quando os primeiros raios de sol atingem o cume oposto nós também atingimos o do lado de cá. |
Já não dava para aguentar mais. Parei numa das curvas da
estrada que liga a pequena vila do Gerês ao miradouro da Pedra Bela, subindo a
serra. Perto de mim, um enorme bloco granítico apresentava uma pequena
depressão, ideal para acolher a mochila. O esboço de luz que anunciava o início
do dia permite-nos já distinguir as folhas mortas repletas de geada que estalam
debaixo dos pés.
As folhas cobertas de geada... |
Um pouco depois de começar a clarear o dia. |
Demorámos apenas vinte minutos a contrariar os dois graus
negativos de temperatura. Comecei por tirar o par de luvas, depois o gorro
seguido do colete corta vento, da camisola exterior e do buff. Ficavam no corpo
apenas uma térmica de manga comprida trazida da serra D’Arga e uma t-shirt como segunda camada, os calções e as meias de compressão até ao joelho completavam o
conjunto. Agora encontrava-me perfeitamente confortável com a baixa temperatura
ambiente. Enquanto colocava de novo a mochila ás costas, deitei um olhar à paisagem. Lá no fundo as casas pareciam envoltas numa bolha de neblina
cinzento-azulada. Em redor de cada um dos candeeiros de rua tinha-se formado
uma espécie de auréola que circundava as lâmpadas amarelas produzindo um efeito
quase natalício. A vertente da serra oposta à que nos encontrávamos, e que
forma a estreita garganta que parece querer esmagar o casario, era apenas uma
mancha escura com o contorno completamente delineado por uma linha fina, primeiro alaranjada
e que foi alterando para um azul claro muito puro à medida
que o dia ia nascendo. Do lado de cima da estrada a impenetrável escuridão da
mata a que a luz dos nossos frontais nem sequer fazia cócegas, entregava-nos
uma sensação de isolamento brutal. Respirei fundo o ar gelado da manhã e
arranquei impelido pelo primeiro arrepio desde que aligeirara a roupa. Havia
que manter o movimento.
Enquanto subíamos fui acompanhando o gradual aparecimento do
dia e gozando o prazer destas experiências tão subtis, mas que tanto contribuem para o meu bem-estar. Não é possível ficar arrependido por deixar a cama ás
quatro da manhã quando depois vivenciamos momentos destes.
Já em pleno miradouro, a vista soberba com tonalidades muito diferentes das que se podem observar num dia de verão e que são proporcionadas
pela luz límpida da manhã, é um prémio fantástico para nós, algo que perdura muito
para lá do momento.
Miradouro da Pedra Bela. A silhueta do Miguel e por trás de mim o lençol de água da barragem. |
Toda a superfície deste tanque era uma enorme placa de gelo. |
O nascer do dia trouxe com ele uma brisa ligeira que não
existia antes. Essa aragem, associada à baixa temperatura, provocava um
desconforto térmico ainda mais acentuado. Não podíamos parar muito tempo, mas a
descoberta de que a superfície de um tanque de água, com cerca de trinta metros
quadrados, se encontrava completamente solidificada foi mais forte. Soltámos as
crianças que há em nós e toca a brincar e a descobrir as maravilhas da
natureza. Foi literalmente uma experiência de quebrar o gelo.
A única curva com sol, um bem precioso numa manhã gelada. |
Mas a nossa actividade estava directamente relacionada com a
temperatura ambiente, por isso, pusemos rapidamente os pés ao caminho descendo
toda a estrada que antes subíramos. Depois, em vez de seguir para a vila,
derivámos para a direita e subimos novamente vários quilómetros em direcção a
Leonte e á Mata da Albergaria. A intenção era descer atravessando a mata,
naquela que eu sei ser uma paisagem natural de uma beleza inquestionável, até à margem do lençol de água da barragem que faz fronteira com Espanha perto de Lóbios,
mas a forma física que não está no seu melhor, aconselhou a encurtar essa parte
do treino. Assim, atingido o ponto mais alto resolvemos voltar para trás e a
descida até ao Gerês foi feita em ritmos de “puro-sangue árabes”.
O objectivo era continuar, mas desta vez ficámos por aqui. Foi pena, pois a paisagem fica mais bonita a partir deste ponto. |
Enquanto descíamos, a alegria estava estampada nos nossos
rostos e a compensação do nosso esforço estava amplamente usufruída. No final
ficaram perto de vinte e três quilómetros com cerca de mil metros de desnível
positivo, quando o previsto era ficarem cerca de trinta e cinco e mais
desnível. Mas ficámos contentes com o desempenho face ao que se tem treinado.
Tentaremos cumprir o plano original na próxima vez.
Já na vila, agora finalmente banhados pelo quentinho sol
manhã e enquanto fazíamos alongamentos para minimizar o prejuízo causado ás
pobres pernas, veio-me à cabeça uma frase que se encaixa perfeitamente na
experiência vivida hoje:
“No pain, no gain…”
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