Nada fazia prever uma sessão de
treino nem tão dura nem tão entretida. Por isso mesmo, tínhamos decidido ir
para a serra a rondar as 10:00 da manhã. A ideia era fazer apenas 7 ou 8 km
praticamente sem desnível e vir embora, pelo que, nem a temperatura do dia nem a
hora de almoço seriam preocupação. Tal não foi o caso. A descoberta de uma
pequena ponte improvisada sobre o rio aguçou a nossa curiosidade e, depois de conseguir algo parecido com um acesso, fomos investigar. Após a travessia do
rio, um trilho muito íngreme subia uma parede quase vertical serpenteando entre
rochedos enormes que ameaçavam desprender-se da sua localização. O espírito de
aventura impeliu-nos por ali acima e, para mal dos meus pecados, nunca mais
acabávamos de subir. Comecei a ficar seriamente preocupado com a dureza imposta
pelo terreno, afinal daqui a cinco dias tinha pela frente os bravos 37 km da
serra d’Arga e este cansaço adicional era perfeitamente dispensável, mas parar
o Miguel estava para lá das minhas capacidades. Entusiasmado, subia o monte
incentivando-me a fazer o mesmo e de nada serviam os meus "gemidos" sobre a serra d’Arga. Tive de aguentar o “sal grosso” que, de resto, foi grande parte da temática
que fomos desenvolvendo numa conversa bastante engraçada. O “sal grosso” era
uma metáfora, cujo significado apontava para uma vida livre de preconceitos.
Sendo este um tema delicado, alimentou a conversa por algum tempo e foi uma
expressão muito utilizada sempre que fazíamos alguma coisa fora da norma.
A menos que quisesse-mos explorar todas as serras o melhor é começar a pensar no regresso... |
Entretanto a temperatura aumentara
bastante e nestes caminhos que subiam a serra, poeirentos, de pedras soltas, o
calor crescente causava um desconforto acrescentado. A cada passo, ouviam-se as
pedras a rolar descendo pelos sulcos abertos por enxurradas antigas. A perna
fugia para trás perdendo a tração e obrigava a um esforço adicional para manter
a progressão, “vai ser bonito daqui a uns dias, vai, vai…” pensava eu lembrando-me mais uma vez da serra d’Arga. Finalmente atingimos o pico da serra. Como prémio, tínhamos uma paisagem
excepcional de 360 graus e um single-track muito agradável de percorrer. Após algum
tempo de progressão neste bonito trilho, decidimos que não era possível
continuar, eu só via serra e mais serra e mais serra. Tínhamos de retornar com
urgência e chegaríamos bastante tarde a casa. Para além disso, há muito que a
temperatura superava os 30 graus centígrados. Depois de avaliarmos qual a melhor
rota para nos introduzir numa trajectória válida em direcção ao carro, fomos
avançando tentando perceber, nas nuances das curvas, se mantínhamos a direcção
pretendida. Felizmente correu muito bem.
Correr no alto da serra com uma paisagem invulgarmente bonita, num trilho bordejado pela vegetação e flores silvestres é, para quem aprecia, um momento de grande prazer. |
Há muito que tinha dito ao Miguel
que precisava de dar um mergulho, sentia-me a ferver e a presença do rio nas
minhas barbas era um estímulo incrível, mas o Miguel quis deixar essa
possibilidade para um local ainda longe da nossa posição. Fui aguentando o calor,
eu ainda não sabia, mas a esta hora a temperatura em Valongo estava nos 36
graus centígrados. Uma canícula que deixou quase 100% do território em alerta
vermelho de incêndios. Por fim, chegados ao local do mergulho estava tão
cansado e tão perto do carro que já dispensava tudo. O Miguel, esse, puxou da
temática do “sal grosso” e enfiou-se na água. Tirei a mochila, depois a
camisola e finalmente as sapatilhas, em menos de um ápice estava submerso numa
água deliciosamente fresquinha. Pelo caminho colhemos um saco de uvas
americanas e finalmente o regresso a casa. Acabámos por fazer cerca de 16 km,
sensivelmente o dobro do previsto, com 500 metros de D+ bem verticais. Esta foi
hoje uma óptima perspectiva do que pode ser o “sal grosso”, aproveitar a vida e
os momentos que ela proporciona quando surgem. Sendo assim, o “sal grosso” é uma metáfora
bastante aceitável.
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