Serra D'Arga |
“Às vezes penso que que a corrida é um local para onde
canalizo a minha História. A corrida é o local onde me posiciono, aos ombros
dos gigantes- ou melhor, onde corro, dentro do turbilhão de pensadores mais
velhos e melhores do que eu -, um local onde as coisas que eu já li, e pelos
vistos esqueci, as coisas que há muito estão enterradas, os anos com
trivialidades e uma vida de trivialidades, mais uma vez, tiveram o seu momento
no palco da consciência, pavoneando-se amuadas, repisando: porque te esqueceste
de nós? Neste palco onde entram e saem, mudando tudo ou nada, eu não tenho nada
a dizer. A corrida é uma ocasião em que eu recordo. E mais importante, não é
uma ocasião em que me lembro das coisas dos outros, mas de coisas que em
tempos, há muito tempo, eu soube, mas as quais fui forçado a esquecer no
processo de crescimento e na minha formação de adulto. Eu já sabia disto, mas
não tinha consciência; isto acontece com toda a gente. A corrida é um local
para recordar. É nesse local que encontramos o significado da corrida. As
ideias que eu julgava ter deixado para trás, na poeira dos quilómetros
percorridos, insistem em reaparecer com novas formas. Mas, nesta corrida, há
muitos becos sem saída, não há atalhos. Por vezes, até as estradas que vão ter
a algum lado tiveram de ser percorridas mais do que uma vez, vezes sem conta,
até eu perceber aonde me levavam. No fim, a corrida acaba por nos levar sempre de
volta a casa, de volta ao início. Mas, por vezes, se corrermos uma distância
suficientemente longa, essa casa ter-se-á transformado.”
-Mark Rowlands, filósofo e escritor em “Correr com a matilha”.
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