Porquê?

Corremos porque não temos asas para voar...

VII UTE Terras de Sicó - Para lá do limite...

Para lá do limite...

Um atleta bem equipado, enfrenta as terríveis condições do terreno...
Segunda tentativa séria para juntar ao meu "currículo" uma prova de ultra longa distância e mais uma desistência. Desta vez fisicamente fortes, defrontamos um adversário muito poderoso e que nunca esteve nos nossos planos, um clima extremamente rigoroso. basta dizer que desde dez minutos antes da partida até ao momento em que abandonámos estivemos permanentemente debaixo de uma copiosa chuva gelada, que se transformou durante a prova, a seu bel-prazer, em granizo ou neve conforme o capricho (leia-se temperatura). Apenas o acto de correr conseguia equilibrar a nossa temperatura corporal com o exterior. Ao fim de uns quilómetros tornou-se impensável manter as luvas calçadas pois embebidas naquela água gelada já não faziam parte da solução, sem elas nada melhorou, as mãos foram sempre uma fonte de dores inesgotável e quando foi necessário trocar as pilhas da lanterna frontal precisámos de meia hora para coordenar os movimentos dos dedos. Cheguei ao ponto de correr com as mão nos bolsos do impermeável, o que com o piso tão escorregadio era sinónimo de em caso de desequilíbrio a coisa poder tornar-se feia. O impermeável, inapto para esta quantidade de água e temperatura, com o tempo deixou que a roupa interior ficasse encharcada. qualquer pequena paragem ou abrandamento de ritmo sem esforço, acontece, por exemplo, nas descidas pronunciadas e que se assemelham a um escorrega de aqua parque. Estas obrigam a um estudo bastante apropriado terreno para que consigamos evitar uma queda sem paragem no curto prazo e proporcionam ritmos muito lentos, cuja falta de esforço não produz calor corporal tornando-nos reféns do frio implacável que se fazia sentir. Apesar das dificuldades, a progressão era óptima. Penela, onde estava o primeiro controlo horário foi alcançada com um diferencial a nosso favor de uma hora e quinze minutos. Outra grande dificuldade que se nos apresentou foi a travessia de muitos caudais de água derivados das cheias. Normalmente do meio da perna para cima, e no caso de dois túneis muito compridos em que a travessia demorou bastante tempo, quando abandonávamos a água já não sentíamos os pés, pois era geladíssima. No caso do primeiro túnel em que fomos surpreendidos, a água chegava ao joelho e tinha uma corrente poderosa. Foi no abastecimento a seguir a Penela, no Km 36 em Casas Novas, que aconteceu algo que não fazia parte do meu conhecimento e que é uma experiência que tenho de juntar ao meu nível de conhecimento deste tipo de provas. Sendo que entrei, salvo o exagero, com um ar jovial na sala, aceitando uma sopa de grão que por sinal até estava bastante boa, embora pudesse estar mais quente, foi precisamente enquanto a comia e pensando que seria uma boa ajuda na próxima etapa, que comecei a tremer o corpo todo com uma sensação horrível de frio. Então apercebi-me que toda a gente na sala estava na mesma, outros inclusivamente precisaram de ajuda dos bombeiros para se restabelecer. De inicio não valorizei aquela sensação, mas quando quisemos voltar ao percurso, para além do frio extremo que sentíamos, uma perna tinha uma dor tremenda que me impedia sequer de caminhar, fiz vários exercícios para provocar um aquecimento da zona dolorosa mas nada adiantava, para além disso estávamos em pleno descampado e aquela paragem agudizava o frio ainda mais, nesta altura tremíamos descontroladamente. Avaliamos a situação, o próximo posto de abastecimento distava da nossa posição 10 km, a base de vida onde tínhamos roupa seca distava 18 km, nesta altura estávamos a enfrentar queda de neve e temperaturas negativas. Com a roupa encharcada, nestas circunstâncias o bom senso (não dizia) berrava, para que voltássemos atrás os cerca de 300 metros e solicitássemos a evacuação para Condeixa. Com a tristeza nos rostos, deixamos que razão prevalecesse sobre a paixão e o orgulho. Neste posto desistiram mais de quarenta pessoas.
Apesar da desistência precoce, quando (para perceberem a desilusão que senti) o meu objectivo era o primeiro lugar do pódio do meu escalão, considero muito positiva a nossa participação. Aprendi várias coisas, desde logo bastou o aquecimento da carrinha de transporte para a perna melhorar substancialmente, não pude deixar de pensar que me podia ter aquecido no posto de abastecimento e talvez fosse possível voltar á prova, mas havia outros factores negativos, estavamos substancialmente encharcados, a roupa seca que tínhamos disponível nas bases de vida subsequentes era ainda mais precária do que a que levávamos vestida, e as previsões para a o dia eram exactamente iguais, ou seja muita chuva, queda de neve e temperaturas muito baixas, por isso, abandonar, foi sempre uma boa solução. Proporcionou ausência de risco para lá do limite. Aprender é uma tarefa lenta e árdua que requer paciência e uma boa dose de filosofia. Assim, mantenho inatacável a vontade de colocar uma prova destas na minha lista de experiências, podia ter sido hoje, mas o clima de excepção constituiu um inimigo inultrapassável. Fica aqui um até breve... Ultra Endurance Trail Terras de Sicó.

Voltaremos mais fortes
 (Terminaram apenas 33 atletas, do meu escalão não terminou nenhum.)

Sem comentários:

Enviar um comentário