A manhã estava fria. A chuva que
caiu durante toda noite dava agora uma merecida trégua, o vento gélido fazia
doer o peito á medida que as profundas inspirações se sucediam.
Levava um ritmo vivo serra acima,
as pernas, bem descansadas, respondiam perfeitamente. Enquanto subia, observava
a paisagem. Estas serras estavam tão diferentes. Antes o verde dominava a
paisagem de uma forma avassaladora, agora, a serra completamente despida evidenciava
a rede de trilhos e as afluências graníticas que revelam a sua verdadeira alma.
Um corredor passa por mim subindo
com o passo de corrida auxiliado por bastões, numa técnica que me pareceu bem
desenvolvida. O ritmo dele depressa me deixou para trás, mas, fazendo uma avaliação,
rapidamente concluo que não me sinto incapacitado, bem pelo contrário, estou
cheio de vitalidade e feliz por ter a força física e mental para subir a serra sozinho
numa manhã destas.
Pensando nisso, percebo que não é
a inconsciência que me move, mas sim a necessidade de, precisamente, tomar
consciência da vida, combater as rotinas fazendo algo que rompa completamente
com o dia a dia e que me faça viver experiências renovadoras. Um tempo para me
encontrar comigo mesmo e perceber-me, enquanto ser humano, na fragilidade da
minha existência. Que melhor local poderia escolher para isso senão a paisagem
e a solidão dos trilhos que atravessam estas serras?
No cimo da serra o vento revela a
sua verdadeira força. Parei para observar o vale, as serras no horizonte, os trilhos
tantas e tantas vezes percorridos… As recordações fluem como um rio de caudal
intenso. Deixo que o vento forte me leve essas memórias e as espalhe na
paisagem. Estou certo de que me voltarei a encontrar com elas um dia destes.
Bebo um gole de água, como se de um
ponto final nos pensamentos se tratasse. Prossigo agora num trilho que segue
ao logo da crista da serrania . Tenho a noção de que percorro não apenas a serra, mas
sobretudo a inevitabilidade do tempo. É necessário usufruir… tomar consciência…
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