Porquê?

Corremos porque não temos asas para voar...

Ainda não existe uma resposta óbvia...

À medida que o anos passam parece-me que cada vez tenho menos condições para me dedicar á corrida. A conjuntura que me proporciona tempo livre parece degradar-se exponencialmente e cada hora de tempo livre é disputada intensamente.

Depois de descobrir uma aberta durante a semana, lá me escapei até ás serras de Valongo. Já não tenho pachorra para correr como antigamente descendo a avenida da Boavista até á alfândega, fugindo ás pessoas e ao trânsito. O meu apelo é definitivamente o ar puro e o silêncio. Mas se eu descobri uma aberta, não se pode dizer o mesmo do clima, a chuva foi omnipresente em todo o treino. Tinha levado a mochila com o impermeável para o caso de as condições se agravarem muito, mas acabei por não o utilizar. O ambiente na serra era de total ausência de vento, uma neblina que fechava a paisagem mais distante e uma chuva mansa permanente. Tudo isto acompanhado de uma temperatura fresca mas não fria que a própria corrida acabava por não deixar que incomodasse.

Depois de dar a volta e já no retorno ao carro, numa paragem para beber um gole de água, aproveitei para olhar em redor. Só se ouvia o ruído da chuva a cair nas árvores. Perto de mim, um pequeno sobreiro com a minha altura mais ou menos chamou-me a atenção. Apesar da ausência de vento, á medida que as gotas de água se desprendiam das folhas, elas, libertas desse peso saltavam ligeiramente para cima. Isto fazia com que a pequena árvore parecesse toda em movimento. Um aspecto curioso  numa paisagem mergulhada numa quietude profunda.

Voltei ao ritmo de corrida reflectindo sobre o estado encharcado em que me encontrava. Amenizei a autocrítica com o pensamento de que se podemos esticar o corpo na toalha de praia e apanhar sol, também era legitimo tirar prazer do facto de correr sob a chuva. Fazia tudo parte de algo que torna a nossa experiência de vida mais rica de sensações. No entanto, não pude evitar aquela pergunta que tantas vezes faço a mim mesmo: "Porque insisto nisto?"  - Afinal tinha em casa pelo menos três livros á espera de uma oportunidade de serem lidos e este tempo convidava mesmo a isso. Porém, estava ali a correr, encharcado, isolado e apenas com os pensamentos por companhia. Longe de mim estabelecer comparações com quem vou citar, mas li algumas coisas do João Garcia em que ele descreve na primeira pessoa que apesar dos perigos das suas aventuras espantosas, estava sempre á procura de novos desafios. Presumo que essas aventuras não seriam essenciais para a sua vida como as corridas não são essenciais para a minha. Apesar disso, ambos à nossa maneira e milhares espalhados pelo mundo, vão-se colocando à prova, testando para lá dos seus limites conhecidos. É por isso que me inscrevo nas provas em que participo. Se nos treinos é onde desfruto realmente, onde volto para trás quando me apetece e faço as pausas que entendo, já as provas são algo em que não quero parar ainda que os músculos doam intensamente, as provas são um desafio ao limite da minha resistência em que nunca ganho nada (a não ser satisfação pessoal) mas em que uma desistência significa uma derrota psicológica muito forte. De facto, depois de varias dezenas de provas concluídas, algumas de grau de dificuldade elevado, as que  tenho mais presentes de memória são as três ou quatro em que desisti. Por isso estou aqui debaixo de chuva aproveitando esta nesga de oportunidade para treinar.

A maratona do Porto está aí e como sempre, mal preparado é certo, lá estarei. Esta coisas, já de si difíceis, quando feitas sem grandes condições ficam ainda mais difíceis. Por isso a pergunta: " Porque insisto nisto?" - Vai ficar mais uma vez por clarificar, não tenho uma resposta óbvia ainda. Talvez seja da natureza humana este apelo da superação, talvez se manifeste de diferentes maneiras em cada um de nós.

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