Porquê?

Corremos porque não temos asas para voar...

Quando o acto de correr e a fruição pura se misturam...

Mesmo quase no final do asfalto, surge este caminho
de terra batida. Era por ele que pretendia seguir...
Depois de ter corrido cerca de quatro quilómetros em asfalto até perto do Penedo Durão, é precisamente na última curva que nos conduz ao miradouro, que surge subitamente um trilho em terra batida. É ele o meu destino. Inicialmente ladeado por acácias e pinheiros exóticos segue pelo cume da serra até perder de vista. Depois, à minha direita, a paisagem vai variando entre vinhas e amendoais, terras conquistadas à serra pela força de braços que já partiram. A agricultura, principalmente destas duas espécies, parece estar novamente na moda.


À esquerda a serra cais de forma abrupta, revelado os olivais
e vinhedos quase ao nível do rio.

À esquerda, a serra cai de forma abrupta e quase vertical até ao Douro. O rio, depois de se libertar do abraço constritor da barragem, volta a correr livre no seu trajecto ancestral. A esta hora da manhã, o Douro é uma linha verde escura no fundo do vale, estabelecendo a fronteira até Barca D’Alva. Os abutres, indiferentes a estas questões geográficas, pairam de um lado para o outro da fronteira. Passam tão perto de mim que posso ver as penas das asas vibrando, agitadas pela brisa que as percorre.
Aqui, ao nível do solo, a frescura da manhã diluiu-se de forma notória e o canto ocasional das cigarras já se vai iniciando, sinónimo do aumento de temperatura.

As amendoeiras estão carregadas. Uma imagem
fantástica que prolonga pela paisagem.
Para onde quer que eu me vire a paisagem é de uma beleza avassaladora. Vou interrompendo o treino várias vezes para registar pequenos frames deste quadro gigantesco, onde a subtileza das formas, texturas e sombras, são reveladas pela luz horizontal da manhã. Não posso deixar de reparar como as amendoeiras estão tão bonitas, carregadas de fruto pronto a ser colhido. Quem habitualmente procura as amendoeiras em flor para apreciar a sua beleza, decerto ficaria agora extasiado pelo resultado dessa floração. Pessoalmente, entendo que resultam ainda mais bonitas assim.

Atravesso a estrada panorâmica que liga Poiares a
Barca d'Alva e sigo em frente pela terra batida...
Inebriado pelo prazer que este percurso me proporciona, deixo-me levar pelo ritmo. Depressa avisto a estrada panorâmica que sobe desde o nível do rio até ao topo da serra e se dirige a Poiares. Ao invés de seguir por ela, atravesso-a e opto por outro caminho de terra que me afastará novamente da familiaridade da aldeia. Uma pequena placa indica “Assumadouro”, nome de um outro miradouro da região. Aqui, o cume tem uma tendência de subida quase contínua. Este troço do percurso, bastante isolado, conduzir-me-à numa espécie de semicírculo até à parte baixa de Poiares, no extremo sul da aldeia. Apenas o vento quebra o silêncio reinante, assobiando nos cabos de alta tensão. A aproximação a Barca D’Alva proporciona imagens de rara beleza. O trilho, neste local, proporciona uma das paisagens mais bonitas desta região, mas é algo inacessível a pé pela distância que o separa da aldeia.


... algum tempo depois, a paisagem é magnifica...

... e a vista de Barca d'Alva e do rio serpenteando pelo vale, é pura poesia.
A partir de agora, existe um conjunto de várias bifurcações em que é fácil cometer um erro. Embora conheça bem estas serras, já de outros anos, existem alterações na paisagem provocadas pela abertura de novos caminhos para propriedades reactivadas. E foi precisamente numa bifurcação em que era fundamental não falhar, que hesitei. Primeiro subi uma rampa acentuada certo de que era por ali o caminho, depois pareceu-me que estava errado e acabei por descer e segui o outro trilho.
Ao fim de um bom bocado de corrida estava já convencido de que aquela paisagem era nova para mim. Tomara um caminho desconhecido. Contudo, podia ver toda a encosta da serra contrária à minha e os caminhos que a percorriam, uma autêntica rede de ligações desenhada na serra. Acabei por achar graça ao facto de aquele pequeno percalço me proporcionar a descoberta de novas opções. Porém não estava preparado para o que viria a acontecer.

Este trilho cada vez mais tomado pelas ervas, começou
a levantar suspeitas de pouca utilização...
Enquanto seguia em bom ritmo num trilho sempre a descer, comecei a reparar que cada vez mais estava tomado pelas ervas, a desconfiança sobre esta opção começou a pairar. E só piorou, quando avistei alguns coelhos que, em pé nas patas de trás e com as orelhas espetadas, exibiam uma expressão de genuína admiração. Depois, largavam a correr no caminho à minha frente até desaparecerem por uma abertura no mato. Enquanto isso, as perdizes levantavam em bando das margens do caminho. Estava agora perto de um vinco cavado entre duas encostas onde provavelmente corria água, pois a vegetação que acompanhava esta depressão, estava verde desde o meio da encosta até desaparecer da vista atrás dumas fragas. Uma espécie de escarpa à minha esquerda tornaria impraticável seguir por ali. Avancei mais um pouco e percebi porque a fauna estava tão concentrada ali. O caminho terminava subitamente num pequeno largo que não teria mais que dois metros de largura. Uma parede de mato cerrado em frente e também à direita, onde sobressaiam os coloridos figos da índia tão abundantes nesta região, e a escarpa impraticável à esquerda… Enquanto analisava as hipóteses bebi um pouco de água. Do outro lado da escarpa havia um caminho que seguia na direcção pretendida mas por aqui não haveria qualquer possibilidade de acesso a ele. Entretanto o calor apertava já seriamente. Agora havia que voltar para trás e subir tudo aquilo que. tão alegremente, descera empurrando os coelhos à minha frente.

Este cacto, subsiste na paisagem de forma abundante e o toque
 de cor dos figos da índia ,entre o alaranjado e o dourado,
contrastam de forma magnífica.
Ao fim de cerca de um quilómetro e meio cheguei a um entroncamento que evitara anteriormente e segui por ele. Também não havia mais nenhum por isso a decisão foi fácil. Quando cheguei novamente à zona onde corria a água, já estava do lado contrário das fragas que me impediram a travessia anteriormente. O assunto estava aparentemente resolvido, mas o desgaste, provocado mais pelo calor do que pela distância, fora inevitável. Pelo caminho existiam agora pequenas hortas verdejantes, laranjais, vinhedos e figueiras, algumas das quais situadas mesmo na beira do caminho, exalavam um perfume delicioso. Era uma questão de escolha, optei por dois figos pretos e um pequeno galho de uvas brancas. O handicap eram os líquidos, apesar de correr um fio de água por entre as rochas não me atrevi a fazer uso dela. A que tinha na garrafa teria de ser suficiente.

Cerca de um quilómetro depois já avistava novamente a antena no alto da serra. A aldeia ficava para a direita dela no pequeno vale, por isso era uma questão de navegar pelos caminhos que iam surgindo e esperar que todos tivessem continuidade.

Foi com relativa facilidade que recuperei a direcção adequada, finalmente estava de novo num trilho conhecido de outras passagens por aqui e, numa curva à frente, surgiu de rompante a visão tranquilizadora da pequena aldeia espremida entre as duas serras.

Uma ligeira subida conduz a esta curva. Num repente,
tempos a aldeia de Poiares sob o nosso olhar.
O treino que esperava fosse de cerca de treze quilómetros acabou por atingir os dezassete. Digamos que foi muito agradável e mais completo do que o imaginado. Assim já sei por onde seguir, quando quiser esticar um pouco mais o percurso.

Nesta imagem de satélite quase visualizo todas as
incidências deste treino... é o meu percurso favorito!




Sem comentários:

Enviar um comentário