Porquê?

Corremos porque não temos asas para voar...

Grande Trail Serra d'Arga 2016

Ao quilómetro 4...
Como sempre, todo o planeamento de treino para as provas em que participo, sai furado. O quotidiano dita as suas leis. Assim, como de costume, fiz a prova de 10 km do Porto de Leixões para treinar para a Meia Maratona do Porto, ela própria um treino para o Grande Trail Serra d'Arga que por sua vez foi um treino para a próxima que é a Maratona do Porto. Participo nas provas treinando para outras o que, decididamente, não parece grande estratégia. Isso fez com que chegasse aqui com um nível de preparação mínimo, e sem treinar as características especificas destas provas que são sempre mais duras do que a nossa imaginação possa antever. Só a experiência acumulada de outras provas e uma elevada determinação me permitiram terminar este Serra d'Arga. Já tinha feito duas distâncias, 23 km e 33 km e a participação nestes 53 km era o culminar das anteriores. Depois de tirar cerca de meia hora ao tempo do ano passado nos 33 km julguei que o resto eram favas contadas, porém esses 20 km restantes, que se transformaram em 24 por força de um engano da organização, encerravam em si as dificuldades que separam uma prova intermédia de uma ultra a sério.
...ainda toda a gente se ria.
O desnível total nem sequer era assustador, para uma prova deste calibre, mas a inclinação dos últimos 8 km de subida, com particular incidência no último km até ás eólicas, foram de uma violência inusitada. Alguém dissera para aproveitar bem o último abastecimento que situava abaixo dessa "parede", mas o meu organismo não suportava mais nada, senti que se ingerisse alguma coisa vomitaria tudo. Amargurado com esta ideia deitei fora os dois pedacinhos de chocolate que tinha na mão.  Nunca antes fora forçado a ultrapassar dificuldades como as que aqui foram colocadas. Acho que fui buscar força onde nem sequer sabia que ela existia. As travessias de cursos de água e de lama profunda deixaram a pele dos pés muito sensível e o contínuo movimento contra as palmilhas há muito que tinha provocado enormes bolhas. Sem autorização para parar, fui suportando as dores e lutando contra o relógio.

Altimetria da prova
Os últimos 4 km que desciam até à meta foram feitos a correr com os pés em condições péssimas, saltando de pedra em pedra, escolhendo o apoio do pé no último momento. Sentia a planta do pé escorregar em cima da palmilha e encostar na frente da sapatilha, a pressão nas bolhas e nas unhas gerava uma dor pouco menos do que insuportável. O tempo para chegar dentro do limite classificativo apertava e agora valia tudo menos morrer na praia. Não sabia o que aconteceria aos atletas que ficaram para trás, nem aos que fomos passando neste processo, entre eles um que mal conseguia andar. Tentei dar-lhe ânimo dizendo que seguisse devagar que já só faltavam 2 km mas ele encaixou a notícia de que faltavam apenas 2 km como se de uma eternidade se tratasse. Deu para perceber o seu grau de sofrimento naquele momento. Agora já sei que a organização estendeu o prazo limite de classificação para lá das 10 horas. Sinceramente acho muito bem, para além de a prova ter uma fase final muitíssimo dura que proporcionou uma perda de tempo muito considerável e um enorme desgaste nos atletas, deve ser muito desagradável depois de tantas dificuldades perceber que se ficou desclassificado por exceder o tempo limite. Ainda assim, nós fazemos sempre todos esforços para cumprir os parâmetros mínimos, ainda tenho os gritos do Miguel a ecoar nas orelhas: "Vamos lá, cerra os dentes,  agora ninguém pára, não há bolhas não há dores não há nada...". Os pés dele, no final, não estavam melhores do que os meus. Fiquei em 276º na geral e 7º no meu escalão e coleccionei uma medalha comemorativa, umas quantas bolhas, duas unhas negras e um empeno de dimensões bíblicas. É difícil ter orgulho nisto não é? Mas eu tenho. Atrás de nós terminaram cerca de meia centena de atletas.

"recuerdo" de finalista














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