Fado

Dois meses depois da Serra Amarela Sky Marathon, estou a reiniciar o regresso á corrida. Privilegiando o ambiente natural, faço-o quase sempre pelos trilhos das serras de Valongo. As vivências de um passado recente estão demasiado presentes e qualquer trilho que constitua a opção tem recordações associadas de momentos que sei que jamais voltarão.
Enquanto num gesto mecânico, afasto as gotas de suor, evitando que atinjam a vista, vou reflectindo na necessidade enorme de fechar a página de um ciclo irrepetível, mas ao mesmo tempo, percebo que enquanto eu próprio correr e o fizer por sítios como este, jamais conseguirei afastar essa nostalgia. Porém, não consigo imaginar nenhum local para onde possa ir fazer os meus treinos que não me traga á memória essas recordações, tal foi a variedade e intensidade dessas vivências. Desde estas Serras de Valongo, á Serra D’Arga, passando pelo Gerês, ou aqui mais perto junto á costa até Angeiras ou para o lado contrário em direcção á Alfândega, Cerveira e Ecopista do Rio Minho incluídas, Parque da Cidade e até mesmo os distantes trilhos do Penedo Durão em Poiares. Para onde quer que me vire sei que não resultará…
Paro junto ao rio em Couce e observo os trilhos que sobem a serra do outro lado, uma profusão de recordações acorre de imediato. Respiro fundo, raspo o pé no chão como quem quer apagar qualquer coisa, e penso: “não consigo fugir a isto”.
Enquanto me esforço por completar uma subida agreste, passa-me pela cabeça que a única forma de fechar o ciclo seria deixar de correr, mas ainda não estou nesse patamar. A verdadeira solução é continuar com esta nostalgia sempre presente. A saudade é um sentimento muito português, é o nosso “fado”, essa forma musical que ultrapassou fronteiras, deliciando e comovendo quem a ouve. Todos os portugueses têm os seus “fados”, eu não sou excepção. Terei eu a arte e o engenho para acolher os acordes desta melodia ou serei obrigado a desistir para calar a intensidade de uma guitarra que de momento toca demasiado alto?