Porquê?

Corremos porque não temos asas para voar...

"No pain, no gain!"


Quando os primeiros raios de sol atingem o cume oposto
nós também atingimos o do lado de cá.
Já não dava para aguentar mais. Parei numa das curvas da estrada que liga a pequena vila do Gerês ao miradouro da Pedra Bela, subindo a serra. Perto de mim, um enorme bloco granítico apresentava uma pequena depressão, ideal para acolher a mochila. O esboço de luz que anunciava o início do dia permite-nos já distinguir as folhas mortas repletas de geada que estalam debaixo dos pés.
As folhas cobertas de geada...
Para trás ficara o velho casario e a medonha vista dos carros forrados a gelo no parque onde estacionámos. A rua deserta e mal iluminada, o ambiente gélido e um gato, apenas denunciado pelo elevado brilho dos olhos que devolviam a luz dos nossos frontais, foram as únicas testemunhas da nossa chegada.


Um pouco depois de começar
a clarear o dia.
Demorámos apenas vinte minutos a contrariar os dois graus negativos de temperatura. Comecei por tirar o par de luvas, depois o gorro seguido do colete corta vento, da camisola exterior e do buff. Ficavam no corpo apenas uma térmica de manga comprida trazida da serra D’Arga e uma t-shirt como segunda camada, os calções e as meias de compressão até ao joelho completavam o conjunto. Agora encontrava-me perfeitamente confortável com a baixa temperatura ambiente. Enquanto colocava de novo a mochila ás costas, deitei um olhar à paisagem. Lá no fundo as casas pareciam envoltas numa bolha de neblina cinzento-azulada. Em redor de cada um dos candeeiros de rua tinha-se formado uma espécie de auréola que circundava as lâmpadas amarelas produzindo um efeito quase natalício. A vertente da serra oposta à que nos encontrávamos, e que forma a estreita garganta que parece querer esmagar o casario, era apenas uma mancha escura com o contorno completamente delineado por uma linha fina, primeiro alaranjada e que foi alterando para um azul claro muito puro à medida que o dia ia nascendo. Do lado de cima da estrada a impenetrável escuridão da mata a que a luz dos nossos frontais nem sequer fazia cócegas, entregava-nos uma sensação de isolamento brutal. Respirei fundo o ar gelado da manhã e arranquei impelido pelo primeiro arrepio desde que aligeirara a roupa. Havia que manter o movimento.



Enquanto subíamos fui acompanhando o gradual aparecimento do dia e gozando o prazer destas experiências tão subtis, mas que  tanto contribuem para o meu bem-estar. Não é possível ficar arrependido por deixar a cama ás quatro da manhã quando depois vivenciamos momentos destes.




Já em pleno miradouro, a vista soberba com tonalidades muito diferentes das que se podem observar num dia de verão e que são proporcionadas pela luz límpida da manhã, é um prémio fantástico para nós, algo que perdura muito para lá do momento.

Miradouro da Pedra Bela.
A silhueta do Miguel e por trás de mim o lençol de água da barragem.

Toda a superfície deste tanque
era uma enorme placa de gelo.
O nascer do dia trouxe com ele uma brisa ligeira que não existia antes. Essa aragem, associada à baixa temperatura, provocava um desconforto térmico ainda mais acentuado. Não podíamos parar muito tempo, mas a descoberta de que a superfície de um tanque de água, com cerca de trinta metros quadrados, se encontrava completamente solidificada foi mais forte. Soltámos as crianças que há em nós e toca a brincar e a descobrir as maravilhas da natureza. Foi literalmente uma experiência de quebrar o gelo.





A única curva com sol, um bem precioso numa manhã gelada.
Mas a nossa actividade estava directamente relacionada com a temperatura ambiente, por isso, pusemos rapidamente os pés ao caminho descendo toda a estrada que antes subíramos. Depois, em vez de seguir para a vila, derivámos para a direita e subimos novamente vários quilómetros em direcção a Leonte e á Mata da Albergaria. A intenção era descer atravessando a mata, naquela que eu sei ser uma paisagem natural de uma beleza inquestionável, até à margem do lençol de água da barragem que faz fronteira com Espanha perto de Lóbios, mas a forma física que não está no seu melhor, aconselhou a encurtar essa parte do treino. Assim, atingido o ponto mais alto resolvemos voltar para trás e a descida até ao Gerês foi feita em ritmos de “puro-sangue árabes”.

O objectivo era continuar, mas desta vez ficámos por aqui.
Foi pena, pois a paisagem fica mais bonita a partir deste ponto.
Enquanto descíamos, a alegria estava estampada nos nossos rostos e a compensação do nosso esforço estava amplamente usufruída. No final ficaram perto de vinte e três quilómetros com cerca de mil metros de desnível positivo, quando o previsto era ficarem cerca de trinta e cinco e mais desnível. Mas ficámos contentes com o desempenho face ao que se tem treinado. Tentaremos cumprir o plano original na próxima vez.

Mata da Albergaria

O apreço pela natureza é mais do que uma fome pelo que está sempre para lá do nosso alcance:
é também uma expressão de lealdade para com a Terra...
a única casa que alguma vez conheceremos, o único paraíso de que alguma vez precisaremos...
bastando para isso, ter olhos que queiram ver.
- Edward Abbey-

Já na vila, agora finalmente banhados pelo quentinho sol manhã e enquanto fazíamos alongamentos para minimizar o prejuízo causado ás pobres pernas, veio-me à cabeça uma frase que se encaixa perfeitamente na experiência vivida hoje:

“No pain, no gain…”

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