Porquê?

Corremos porque não temos asas para voar...

Serra d'Arga 2018 - Uma corrida épica.

Os primeiros momentos são de descontracção, depois vai-se acumulando
uma ansiedade fininha...
Chegou o fim de semana do Grande Trail Serra D’Arga e nós viemos para participar no trail longo. Como de costume chegamos cedo para escolher o estacionamento, tomar o pequeno almoço descansados, preparar o equipamento etc. Os primeiros momentos são de descontração, depois, vai-se apoderando aquela ansiedade fininha própria de quem não está seguro das suas possibilidades. Já equipado faço um reconhecimento á zona de partida. Não posso deixar de pensar se serei capaz de resolver o percurso e voltar aqui com um sorriso na cara mais logo. O melhor é esquecer isso e tentar usufruir daquilo que vim procurar, um ambiente competitivo que inclua a componente de desafio que isso implica. 

Já equipado faço um reconhecimento à zona de partida...
Quando chegamos à Montaria, esta pequena povoação parecia deserta, mas à medida que as horas passaram a zona de partida foi ficando bem preenchida e agora já deviam estar várias centenas de participantes prontos a arrancar para esta edição da prova.

Lentamente o espaço foi-se preenchendo com centenas de participantes...
Nos primeiros quilómetros começo a escutar o corpo para perceber as sensações adquiridas pelo esforço continuo e as notícias não são óptimas. Há cerca de quatro semanas fizemos aqui um treino percorrendo o percurso integral da prova e depois disso a recuperação revelou-se algo difícil. Poucos mais treinos conseguimos fazer. Agora, uma ligeira dor muscular era perceptível, talvez depois de ficar um pouco mais quente esse desconforto desapareça.

Os primeiros quilómetros servem para avaliar as sensações adquiridas
pelo esforço continuo...
Acabámos de deixar a zona do Pincho e os primeiros 5 km para trás, segue-se uma parte lenta, bastante cansativa num single-track paralelo ao rio. Apesar desta parte do percurso ser abençoada pela sombra das árvores, sente-se já o ar abafado e seco. As previsões apontam para temperaturas acima dos 35 graus e os cuidados com a hidratação estão no topo das minhas prioridades.

Esta parte lenta e cansativa tinha a seu favor a sombra proporcionada pelo arvoredo.
De repente o trilho começa a abandonar esta zona baixa. A subida faz-se trepando uns maciços graníticos e quando me junto ao Miguel no cimo nem consigo falar. Continuamos com o passo de corrida até ao primeiro abastecimento que se situa nos 8 km e a torneira tornou-se o meu objectivo principal. Uma refrescadela nas pernas, braços e cabeça são o alívio possível para baixar a temperatura de funcionamento da minha velha máquina. Segui para o tabuleiro dos quartos de laranja na bancada e retirei o sumo de vários, um quadradinho de chocolate e um gel que o Miguel me estendeu completaram a reposição de energia. Agora era sempre a correr num pequeno planalto com uma ligeira tendência ascendente até ao início da calçada romana que nos levaria ás eólicas no cimo da serra. O sol já derretia as pedras, felizmente tínhamos colocado bastante protector solar e levava a embalagem na mochila para repor quando nos fosse mais propicio. O chapéu e os óculos eram um complemento para criar uma barreira entre mim e os raios solares.

A saída da sombra e da zona baixa do rio faz-se por esta
autêntica pedreira.
Chegamos ao início da primeira grande dificuldade, a Caçada de Pedrulhos. As dificuldades deste troço, que já são muitas, hoje estavam exponenciadas pelo sol abrasador. Enfim, eu tinha o antídoto para combater esta subida longa e íngreme, não teria pressa de chegar ao cimo, não me preocuparia se fosse passado por alguém e não ficaria ansioso perante a possibilidade de passar algum atleta. Manter um ritmo constante, ignorar o cansaço, refrescar a cabeça a espaços com a água que transportava comigo, beber repetidamente pequenos goles de isotónico alternados com água e deixar passar as pedras por debaixo dos pés tentando manter o Miguel em linha de vista. O cimo da serra havia de chegar.

A Calçada de Pedrulhos é um teste à paciência...

...e o Miguel sempre a controlar o nível da minha.
Já no cimo, do nosso lado esquerdo a presença de uma eólica requisita a nossa atenção. De facto, são umas estruturas enormes.

Bem, estamos num planalto com um solo bastante irregular, mas sabemos que não podemos abrandar o ritmo aqui senão pomo-nos a jeito para ser ultrapassados pelos que estão atrás. Ainda a arfar combinamos a estratégia, parto eu para fazer um segmento em corrida o mais longo possível e depois caminho até o Miguel chegar a mim e arranco de novo. Repetiremos ciclo até chegar à Porta do Lobo. Nesta estratégia, alcançámos e ultrapassamos um pequeno grupo ainda antes da descida, o que foi óptimo, pois a descida muito longa e íngreme feita de pedra sobre pedra, também uma herança romana, carece de muita atenção para ser passada em corrida. Dar uma queda aqui poderia ter consequências muito graves. À semelhança da prova do ano passado, foi aqui que tive de lidar a primeira vez com algumas dificuldades musculares. Felizmente também este ano, com alguns alongamentos, uma pequena massagem e um abrandamento do ritmo consegui dar a volta a esta dificuldade.

Num dia como este não podemos falhar o enchimento dos
reservatórios de líquidos nos abastecimentos da prova,
bem como ingerir alguns sólidos.
O final desta descida, coincidia com o abastecimento dos 22 km. À entrada, um individuo com uma mangueira regou-nos como quem rega uma couve penca. Visivelmente aliviado procurei a mesma receita que tinha dado tão bons frutos o ano passado para subir a terrível Sra. do Minho, uma canjinha milagrosa. Disseram-me que não tinham feito com medo que se estragasse devido ao calor. Fiquei desapontado. Agarrei no frasco de mel, que estava no fim mas que me permitiu ainda regar duas mini tostas, e voltei-me novamente para o sumo de laranja. Depois uma pequena dose de sal refinado e um generoso copo de coca cola. O Miguel esperava por mim de braços cruzados, como que dizendo “não sais daí?”. Felizmente ainda tive discernimento para voltar a encher um recipiente de água e outro de isotónico. É muito fácil, com o cansaço que se apodera de nós, falhar nestas coisas e num dia como o de hoje seria um erro fatal. A continuação do percurso faz-se por uma subida curta mas horrível de íngreme que é e depois descemos em corrida por um troço de alcatrão que nos coloca num ponto de altitude bastante baixo. Quando chega o momento de começar a terrível subida para a Sra. Do Minho o sol devia estar no seu expoente máximo. São cerca de 3 km de extensão para subir 600 metros de altitude. A encosta é completamente exposta ao sol e as grandes dificuldades começaram aqui para toda a gente. O início de terra, tão difícil e inclinado, deixou tudo esgotado ainda antes de entrar no granito da serra. Ao longo do caminho eram vários os atletas que se sentavam no chão completamente sem forças para continuar. Eu tentava seguir o Miguel, mas comecei experimentar um espasmo muscular por cima do joelho. Cada vez que levantava a perna para subir uma pedra sentia um espasmo doloroso, fui deitando água refrescando a zona dolorosa, alongamentos e massagens e abrandava, em pouco tempo tinha as duas pernas nas mesmas condições numa perfeita simetria dos sintomas. Num combate feroz contra as adversidades fui subindo debaixo daquele calor infernal. Cada vez que bebia isotónico era impossível manter aquela doçura na boca tinha de terminar com um gole de água. Ainda assim, deitei mais água nas pernas e na cabeça do que a que bebi. Os atletas em dificuldades eram aos magotes sentados nas pequeníssimas sombras proporcionadas pelos blocos graníticos de maiores dimensões junto à zona de passagem. O Miguel que a espaços verificava a minha posição seguia agora já muito mais acima, percebi que ele próprio estava a lutar com as dificuldades dele e estava concentrado em ultrapassá-las.

A chegada ao cimo da Sra. Do Minho. Acabei de vencer a besta negra
 de todos os que alinharam nesta prova. Vamos para a torneira!
 A cem metros do cimo já sonhava com a torneira de água no exterior da torre de comunicações, permiti-me o luxo de vazar a última água que tinha no meu reservatório pela cabeça abaixo, enquanto escutava as dificuldades de decisão dos elementos da organização para retirar alguns participantes que já não conseguiam progredir. De facto, nesta zona tão inacessível era um problema complexo.

Já junto da almejada torneira, tinha planeado sentar-me debaixo dela e deixar correr a água, mas havia mais gente para usufruir, assim, foi o possível, pernas e cabeça abundantemente.

Depois de um miniduche sentia-me um homem novo e estava
pronto para os 6 km finais.
Estávamos a 6 km da meta e tínhamos pela frente mais ou menos 3 km de planalto e 3 km de descida horríveis, todas as descidas aqui são horríveis, com um piso tão irregular de granito que chego a pensar senão é melhor subir. A minha preocupação é sempre não cair ou não torcer um tornozelo, depois de tanto esforço acontecer isso nesta parte final era mesmo uma enorme crueldade para além das outras consequências.

Fartei-me de pensar durante a subida para a Sra. do Minho que, levando em atenção o cansaço que sentia nas pernas, não seria capaz de correr nos últimos quilómetros. Pois bem, não sei se foi a alteração de ritmo ou a refrescadela na torneira, o que é certo é que fizemos esses seis km em corrida e em bom ritmo, deixando para trás toda a gente que fomos encontrando no percurso e só parámos depois de cortar a meta.

Um merecido descanso, muito agradável debaixo de um magnifico carvalho
que deve ter centenas de anos.

Tá Bom!!!!
Confesso que gastei até os vapores combustível que me restavam. Quando junto ao carro, já depois de uma mini sesta debaixo de um carvalho soberbo, ouvi o meu nome ser chamado pelo speaker da prova para integrar o pódio do meu escalão só consegui achar que a justiça estava feita, isto sem ponta de arrogância. Debaixo de condições climatéricas impróprias para uma prova destas, fui inteligente para gerir os recursos, forte para superar as dificuldades e audaz na busca do resultado. 

Feliz por poder proporcionar este momento ao Miguel, a minha T-shirt não podia ser mais adequada: - Era uma comemorativa do dia do pai, e foi com ela que subi ao pódio.

Muito giro… Mesmo!


Pódio do meu escalão, aos 5 km troquei umas palavras com o segundo classificado
no sentido de que o importante era terminar-mos bem dispostos.
Felizmente assim foi...

A medalhística😎😎😎 esteve em alta...

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